Peterson, Eugene. A Vocação Espiritual do Pastor: Redescobrindo o Chamado Ministerial. Traduzido por Carlos Osvaldo Cardoso Pinto. São Paulo: Mundo Cristão, 2006.
O autor Eugene
Peterson no livro A Vocação Espiritual do
Pastor fala do chamado pastoral de forma pessoal e íntima procurando
responder o que é na verdade o chamado pastoral. O texto demonstra que o autor
tem vasta experiência pastoral além de interesse e apoio ao ministério de
tantos colegas pastores que enfrentam crises ministeriais e de identidade
vocacional.
O tema do livro
é o ministério pastoral em si. O que é ou o que deveria ser o papel do pastor.
Este vem se desgastando com o tempo e mudando o seu foco central. Peterson
tenta reverter a força centrípeta que velozmente vem forçando pastores a cair
em abismos fora de sua real vocação para a força centrípeta voltando ao âmago
de seu chamado espiritual.
Uma interessante
constatação de Peterson é que durante muito tempo as igrejas foram assemelhadas
a empresas e consequentemente seus pastores foram se tornando executivos, se
não empresários da religião. Quando a igreja se torna uma empresa, passa a
valorizar mais os resultados do que as vidas e quando um pastor se torna um
executivo, passa a ser um robô que executa tarefas religiosas de forma ativista
ou pior quando é um empresário religioso interessado mais em números do que em
vidas, na verdade é um mercenário.
Quando as
atividades do ministério pastoral são mais importantes que seu relacionamento
com Deus, ou seja, o pastor é tão ocupado que não tem tempo nem para orar e ler
a Bíblia vivendo sua própria espiritualidade, certamente perdeu-se o foco.
Muitas vezes somos tão ativistas que isso acontece.
Por causa disso
tudo, Peterson propõe uma mudança de significado para a palavra pastor, de
‘diretor de programação’ para ‘diretor espiritual’. Um diretor de programação é
quem apenas organiza e participa dinamizando atividades religiosas da igreja:
reuniões, cultos, festividades, ministérios ou grupos, visitas e outras
celebrações sociais. Um diretor espiritual seria alguém preparado e ocupado
prioritariamente com a oração e a leitura da palavra como foi muito bem
esclarecido em Atos 6.4: ‘e quanto à nós,nos
consagraremos à oração e ao ministério da palavra’.
Interessante que
o autor descreve este papel muito claro entre várias religiões que têm seus
mestres e gurus como diretores espirituais e nunca como diretores de
programação. Quando um líder é reconhecido pela comunidade como um diretor
espiritual, certamente a comunidade bem cuidada e nutrida espiritualmente irá
cuidar das suas próprias programações. Peterson descreve como teve que aprender
a deixar a igreja cuidar da programação para que ele aprendesse a dirigi-los
espiritualmente.
O que Peterson
descreve em seu texto transparece suas próprias crises e questões e como pôde
resolvê-las dando a seguir pistas de como outros pastores podem vencer estes
problemas. Para mim, ao ler vários parágrafos, voltava ao título do livro para
conferir se não o tinha confundido com meu próprio diário de orações. Parecia
que estava falando de mim ou que fossem minhas palavras. Essa identificação,
avalio eu, provém de algo que na verdade é o assunto do texto e ao mesmo tempo
está em meu íntimo: a vocação pastoral.
O autor também
afirma se identificar com outro livro e personagem Bíblico que é Jonas. Este
não é o melhor dos exemplos de chamado, mas por isso mesmo mostra na verdade o
que somos e as crises que enfrentamos. Deste modo, o roteiro da viagem de Jonas
a Társis, seu naufrágio, salvamento e caminhada ate Nínive até descansar sob a
sombra de uma planta, é descrito pelo autor nos cinco capítulos do livro
representando os momentos enfrentados no ministério pastoral e ilustrados ainda
com experiências da vida ministerial de Peterson.
No primeiro
capítulo, Comprando a passagem para
Társis, Peterson fala da desobediência de Jonas ao tomar direção diferente
do chamado que recebeu de Deus. A partir deste fato o texto esclarece como
tantas vezes desobedecemos ao Senhor por fazer o que Deus não mandou ou não
fazer o que nos chamou. Ser pastor deve ser algo mais simples possível, quanto
mais pompa e exigências, menos pastoral ou vocacionado e mais profissional. Mas
a obediência de Jonas foi pior que sua desobediência, pois quando foi à Nínive
não amou aquele povo, mas teve compaixão de seus amigos no barco que ia para
Társis.
O fato de
fazermos coisas ‘espirituais’ não significa que sejamos realmente espirituais e
o fato de orar, cantar, visitar e pregar não significa que sejamos realmente
pastores e nem que estejamos obedecendo ao chamado de Deus, se não houver amor pelas
almas continua sendo desobediência. Társis representa o conforto, amigos e a
falsa religião. Estamos indo para Társis quando, às vezes, estamos bem entre
amigos e numa situação confortável ministerialmente, mas não estamos obedecendo
ao chamamento de Deus.
No segundo
capítulo, fugindo da tempestade o
pastor Jonas dormia enquanto seus amigos gritavam e clamavam ao seu deus. De
repente o conforto que o caminho para Társis proporcionava é interrompido por
uma terrível tempestade. Mas Jonas estava dormindo e parecia ignorar o terror
que se apresentava. Como ele podia fazer isso? Dormir durante uma tempestade
parece algo impossível, mas é o que fazemos quando não queremos ver a real
situação diante dos nossos olhos. É mais um comportamento de fuga.
Peterson define
as coisas mais importantes no ministério pastoral em apenas duas palavras: Deus
e Paixão. Afirma que o pastor não pode perder a visão de quem o chamou. Se
tiver sempre esta certeza de que está a serviço do Rei, manterá aceso seu
chamado. Consequentemente a paixão também permanecerá viva. Essa paixão pelas
almas e pelo que se faz é que fortalece a cada dia o pastor para ouvir as
histórias das pessoas, suportar seus defeitos e exigências e principalmente
amá-las. Somente quando lidamos diretamente com Deus conseguimos sentir paixão
pelas pessoas.
Foi na
tempestade em que Jonas percebeu sua culpa e sentiu compaixão por seus amigos
que pereciam ao léu no navio que ele fez a forte declaração: Lançai-me no mar!
É o que fazemos muitas vezes quando despertamos de um profundo sono durante uma
tempestade. Jonas não foi lançado do barco desejando ir para Nínive. Ele não
queria ir para lugar algum. Esta foi mais uma fuga. Gritamos ‘lançai-me no mar’
toda vez que desistimos de uma situação difícil e preferimos ser levados pelas
ondas a tomar decisões. Aqui me ocorreu um alerta: quando não obedecemos ao
chamado, provocamos tempestades e colocamos muitas vidas em risco.
O terceiro
capítulo, No ventre do peixe descreve
especialmente a oração de Jonas no ventre do peixe. A askesis é o principal exercício espiritual para o ministério
pastoral. A disciplina de oração e leitura bíblica é o que sustenta a vocação
do pastor. Peterson afirma que é preciso tomar cuidado com o ego, com a instituição
e com a congregação embora não podemos desprezar nenhum destes. A askesis direciona à santidade
vocacional, revela as mazelas do ego, ajuda a suportar as exigências da
instituição e ensina a amar a congregação apesar de suas limitações. Um grande
perigo para o pastor é se enganar ou iludir pensando ser um ‘deus’ por abençoar
e salvar vidas.
Foi no ventre do
peixe que Jonas fez sua askesis. Ali
ele orou desconfortavelmente, mas de todo o coração. Durante três dias ele
esteve ali e não houve nada mais que pudesse fazer a não ser orar. Então ele
orou fervorosamente lembrando-se de trechos dos Salmos. Semelhante a Jonas,
também deixamos muitas vezes para orar quando já fomos lançados pelas
tempestades e engolidos por circunstâncias maiores do que nós. Por isso
Peterson destaca que a askesis deve
ser prioridade na vida pastoral. Não vivemos em mosteiros como faziam os monges
ao exercitar a askesis, mas podemos
ter o que Peterson chama de ‘mosteiro sem muros’ podendo orar em todo tempo e
lugar (I Timóteo 2.8).
O que Jonas fez
ao referir-se a diversas passagens de Salmos em sua oração no ventre do peixe é
o que Peterson chama de ‘escola da oração’ inspirado por Agostinho. Os Salmos
são uma ferramenta para esse exercício espiritual proposto pelo autor em três
momentos: adoração dominical com nossa
comunidade, a oração diária nos Salmos e a oração recordada durante as oras do dia. Ou seja, o que é
aprendido nos cultos em conjunto com a igreja local, é exercitado diariamente
orando à luz dos Salmos e recordado durante as oras do dia em orações pequenas
que fazemos como expressão da comunhão já estabelecida com Deus.
Peterson também
compara a askesis com o cultivo de
uma planta onde a Palavra Querigmática de Deus é o clima propício, nossa
espiritualidade é o solo e as disciplinas da askesis são as ferramentas para cuidar do canteiro. Sendo assim,
após plantar é preciso apenas esperar que o solo/espiritualidade e o
clima/Palavra de Deus façam brotar a semente. Essa paciente espera do
agricultor é chamada por Peterson de ‘o pastor contemplativo’ para ilustrar a
importância da vida de oração, estudo da palavra e meditação para o ministério
pastoral. Enquanto o pastor contempla, a planta cresce. É necessário contemplar
mais e ver Deus agir e não querer ser deus e agir.
À procura do caminho para Nínive é o título do capítulo
quatro, que descreve a caminhada de Jonas para Nínive após ter sido vomitado
pelo peixe que o resgatou da tempestade. O sentimento de Jonas foi de ira. Ele
obedeceu indo para Nínive, mas não amou aquele lugar tendo compaixão de suas
almas, antes com prazer anunciava sua mensagem: “ainda quarenta dias e Nínive será subvertida”. O único prazer que
demonstrava ter seria a oportunidade de ver a cidade ser destruída, o que se
dispôs a assistir de camarote debaixo da sombra de uma planta. Este momento de
Jonas representa as horas de ira no ministério pastoral quando não amamos o
lugar onde estamos e deixamos de ver seu potencial para destacar suas
dificuldades.
Sobre o episódio
de Jonas andando e anunciando irado sua mensagem de destruição, Peterson deixa
novamente duas palavras de forma bem singela e prática para a memória do
leitor: geografia e escatologia. A geografia é o local onde o pastor está. Ali
é o seu campo missionário. Como o espaço de uma fazenda onde se planta sua
lavoura. A congregação é o solo fértil onde se deve plantar a semente e cuidar
para que brote. A escatologia é destacada pela mensagem de Jonas que anunciava
um fim. Contudo a mensagem escatológica do pastor é a boa nova do evangelho. No
ministério pastoral é preciso conciliar estas duas coisas: geografia e
escatologia como o terreno e a semente. A geografia é o lugar, a congregação ou
solo fértil e a escatologia é a semente, mensagem da Palavra de Deus.
O último
capítulo do livro é Brigando com Deus sob
a planta imprevisível que descreve o melhor e o pior acontecimento para
Jonas após uma viagem mal sucedida, uma tempestade, três dias no ventre de um
peixe, estar em meio ao vômito, caminhar para onde não quer ir e chegar ao pior
lugar do mundo que para ele era Nínive. A melhor coisa foi brotar uma planta
para dar sombra enquanto assistiria confortavelmente a destruição de Nínive. A
pior coisa foi aquela planta ter morrido, o sol queimava sua testa e pra piorar
o povo da cidade se converteu cancelando o espetáculo destruidor de Nínive.
Para Peterson,
esta briga com Deus é comum entre os vocacionados. Primeiro é preciso haver
certa confusão para então encontrar criatividade para gerar uma solução
inovadora. Jonas não estava entendendo o que acontecia na hora que tudo parecia
dar certo e terminar como ele queria. A planta secou por que Jonas teve mais
interesse por sua sombra do que pelas vidas dos ninivitas que pereceriam.
Dentre as
experiências de vida de Eugene Peterson, suas histórias e autores que citou,
chamou-me atenção o discipulado ou mentoria presente em sua vida através de sua
mãe com suas pregações, além de Fiódor Dostoiévski e Leonard Storm que marcaram
sua vida. O autor se permitiu aprender, errar e mudar. Pastores precisam de
referenciais no ministério e principalmente na vida pessoal. Como posso
discipular se não for também um discípulo? Como ser mestre sem ter um mentor?
Impossível. A principal afirmação do livro é que a vocação do pastor é
espiritual e não um diretor de programações de um grupo social.
A linguagem de
Peterson é tão pessoal e envolvente que parecia conhecer o personagem Jonas
pessoalmente dando ao leitor a mesma sensação de se ver presente no texto. Na
verdade este Jonas pode se chamar Peterson, Welfany ou quantos outros nomes de
pessoas chamadas por Deus e que ora relutam nisso ou às vezes obedecem
desobedecendo.
Quantas vezes
fazemos essa viagem e repetimos esta história no lugar de Jonas. O navio para
Társis é lugar de desobediência, a tempestade dá lugar ao medo e ao sono. O
ventre do peixe é onde Jonas orou e onde muitas vezes aprendemos que tudo que
devemos fazer é orar. A estrada para Nínive é a caminhada de reflexão e
obediência, a mensagem a ser proclamada é de salvação e não de destruição. E a
sombra da planta é lugar de ira, de conforto e desconforto, de aprender a ter
compaixão das vidas e também um lugar questionamento com Deus.
O texto de Jonas
termina com uma pergunta de Deus para ele se teria ou não compaixão daquele
povo. A falta de uma resposta de Jonas, segundo Peterson, é proposital para que
fique a reflexão de cada pessoa vocacionada como Jonas, pessoalmente para Deus.
Esta característica literária permite que cada leitor continue a escrever esta
história que até este momento costuma se repetir de forma semelhante, mas que
pode terminar melhor.
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