“A natureza concebida
teologicamente, é o nome
da autorrealização de Deus no dessemelhante”
(Sloterdijk, 2016, pág. 37).
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Uma descoberta transformadora.
Esta seria uma curta definição da leitura de Sloterdijk pela primeira vez.
Descobrir algo novo é uma experiência excitante para um aprendiz voraz em busca
de conhecimento. Transformação seria uma forma mais amena de se referir à
libertação que o aprendizado revelador provoca no íntimo do leitor. De fato, a
cada olhar sobre a profundidade das palavras de um grande sábio, produz-se a
transformação em busca de uma nova direção, rumo a um caminho melhor para
viver.
Em sua trilogia Esferas, Peter Sloterdijk apresenta uma
nova forma de enxergar o mundo e a própria existência. Impressiona como pode
ser ao mesmo tempo tão profundo e filosófico, como também prático no sentido de
atingir diretamente o viver humano em sua essência, partindo das relações com
seu próximo desde o nível pessoal ao político, buscando a gênese da formação
contínua da humanidade e como pode ser mais “humana”.
Usando a linguagem de Sloterdijk, o seu leitor é realmente insuflado pelo conhecimento, passando a descobrir a verdade que
antes não conseguia ver e crescendo em sua relação com o mundo e consigo mesmo,
sabendo primeiramente que o seu eu não pode existir sem o tu e o nós. Essa é a
mudança que Sloterdijk propõe, começando pela transformação do mundo através do
ser humano, numa busca de ser a cada dia melhor.
A
impressão causada pela leitura de Sloterdijk pode atingir especialmente três
níveis da vida prática: as relações pessoais, a religiosidade e a sociedade ou
política. A compreensão das chamadas bolhas,
desperta o entendimento de que não é possível viver apenas voltado para si
mesmo e que muitas relações se tornam egocêntricas, em busca de satisfazer
apenas a própria vontade, quando não há ressonância com o outro, mas apenas o
eco de si mesmo. Por outro lado, no campo da religiosidade e da política existe
uma forte tendência na formação de bolhas
patológicas, gerando o domínio da ignorância e da injustiça, o que pode ser
claramente notado na história e no mundo atual.
A visão
antropotécnica traz a inquietante pergunta: “onde estamos quando estamos no
mundo?”. A resposta desperta a compreensão de que a própria vida é gerada
dentro de uma bolha, desde a atmosfera do planeta terra até a placenta onde o
ser humano é gestado e protegido num sistema autoimune, sendo alimentado e insuflado até acontecer a descoberta do
mundo exterior através da exclusão
com o seu primeiro habitat. Isso parece lindo, mas na verdade se torna algo
doloroso e desafiador, começando a luta pela própria existência no mundo externo.
Neste momento acontece a neotecnia ou
busca do cuidado materno, consolando a perda da proteção absoluta placentária e
a partir de então se torna necessário o aprendizado pela chamada transferência, que desafia ao
relacionamento com o outro, o diferente, mas que proporciona o descobrir de si
mesmo sendo moldado em formas circulares que permitirão a construção de outras esferas de convivência.
O
campo religioso é diretamente afetado por esta compreensão, visto que faz parte
essencial da vida pessoal e dos relacionamentos humanos, mas que por outro lado,
também pode ser usada para provocar o isolamento em bolhas com propostas de imunidade que não levarão a uma ressonância
com o próximo. Isso é completamente contraditório, visto que “a faculdade
íntima de comunicar-se em uma dualidade primária é a marca distintiva de Deus” (Sloterdijk,
2016, pág. 40). Portanto, qualquer tipo de religiosidade que conduza ao
fechamento em relação à sociedade e as pessoas, causará a insuflação desta bolha
patológica que iminentemente não se sustentará causando de forma inevitável
a exclusão ao descobrir de forma
decepcionante algo que não faz sentido. Daí o resultado de milhares de pessoas
em busca do cuidado ou neotecnia,
encontrando talvez outras propostas pra adentrar em novas bolhas religiosas ou talvez deslizando pela espuma causada pela infinita diversidade de religiões. Felizmente
muitos alcançam o nível de transferência
aprendendo a viver de forma solidária em relação ao seu próximo.
No campo político e social, a
revelação se torna mais ainda alarmante, visto que as relações sociais estão
aglutinadas em bolhas densas através de grupos variados de acordo com sua
própria ideologia e a organização política tende cada vez mais insuflar bolhas sólidas com tentativas
de aprisionamento do maior número de pessoas dentro de uma visão quase inquestionável,
em torno de um grande líder ou da reafirmação de suas verdades. Quando a pessoa
descobre que este tipo de relação político-social não ressoa de forma satisfatória alcançando o âmago das pessoas, nem as
conduzindo umas às outras, então acontece também a exclusão ao se descobrir totalmente desamparada e sem saber para
onde ir. O surgimento de novos movimentos e ideologias busca suprir a
necessidade da neotecnia adotando os
desamparados e órfãos do atual sistema numa constante busca pela adequada transferência para alcançar a carência
do outro, sem excluir os diferentes.
Paulo Ghiraldelli (2018, pág.
29-34) sintetiza de forma prática a proposta de Sloterdijkem sua esferologia, primeiramente ao definir
as bolhas ou microesferas como forma de entender o que é ser humano em suas
relações com o outro, já as bolhas
maiores ou macroessferas se refere aos
níveis mais extensos em que a sociedade se organiza e a espuma ao movimento contínuo entre as relações que borbulham de
maneira incontrolável gerando cada vez mais bolhas e esferas.
A leitura de Sloterdijk desvenda o olhar para a vida
pessoal, religiosa e político-social, provocando uma inevitável mudança na
forma de interpretar o mundo como um todo e partir de mim mesmo. Algumas perguntas
inquietadoras se tornaram permanentes: “que tipo de microesfera estou vivenciando?”, “como é a macroesfera em que estou
inserido?”, “qual movimento de espuma tem me conduzido?”, “em minhas relações
há ressonância no outro ou apenas o eco de mim mesmo?” e “qual fase da antropotécnica
estou passando: insuflação, exclusão, neotecnia ou transferência?”...
Estas perguntas serão respondidas no dia a dia e nas relações com as pessoas,
principalmente aqueles que considero diferentes.
O
paralelo entre o aprendizado com as leituras e a vida prática passou de algo
subjetivo para as relações pessoais onde descobri algumas bolhas que estavam sendo insufladas
em mim, mas que não eram positivas. Também abri os olhos para perceber esferas
maiores no campo da religiosidade e da política, que antes não havia me exposto
de forma suficiente para entender. Compreendi alguns processos da
antropotécnica em minha vivência com as pessoas e percebi rupturas causando a exclusão, bem como a busca pela neotecnia e a transferência. Tudo isso foi tão lógico que consegui evitar
situações que antes me engoliriam em verdadeiras bolhas patológicas.
Bibliografia
GHIRALDELLI
JR, Paulo. 10 lições sobre Sloterdijk. Petrópolis: Vozes, 2018.
SLOTERDIJK,
Peter. Introdução. Os Aliados ou A Comunidade insuflada. SLOTERDIJK, Peter. Esferas I- Bolhas. São Paulo: Estação
Liberdade, 2016, p. 19-76.
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