César S.
Camargo. “O evangelho Social: aspectos
históricos e teológicos” Simpósio (31) Deze. 1988, ASTE, PP.254-262.
César Camargo conta a história da formação do Evangelho social e
seus aspectos teológicos com dados importantes e nomes relevantes para este
movimento que tanto influenciou a cristandade do final do século XIX, através
do século XX e até os dias atuais do início do terceiro milênio.
Camargo defende a formação do Evangelho Social como algo saudável para a
Igreja cristã e relata os acontecimentos, textos e influenciadores do movimento
tanto dentro da Igreja como fora desta sem ignorar as lutas e perseguições
tanto internas como externas ao ambiente eclesiástico.
Houve uma dificuldade interna na Igreja entre ser voltada para si mesma
com aspectos céticos de uma santidade baseada no isolamento ou ser uma igreja
aberta para o mundo respondendo aos desafios sociais e manifestando-se contra a
injustiça. Tudo isso gerou um cisma dentro da igreja. Os atores deste conflito
foram de um lado uma corrente fundamentalista e de outro os esforços pelo
liberalismo teológico. Os conservadores manifestaram apoio à ordem social
legitimando com preceitos bíblicos de obediência e temendo influências do
comunismo.
As principais diferenças entre as duas correntes teológicas são:
|
Fundamentalismo
|
Liberalismo
|
|
-tem universo teológico ordenado e
coerente;
-volta-se para a Bíblia se esquecendo
da sociedade;
-o mundo externo é visto como mau fruto da perversidade humana;
-prega a conversão individual;
-legitima a ordem social da maneira já
estabelecida;
-acredita que o progresso se encarrega
de corrigir os erros sociais;
-tem correntes pietistas e místicas
entre os seus seguidores.
|
-tem universo teológico diversificado
e está aberto para questionamentos;
-volta-se
para a sociedade a partir da leitura da Bíblia;
-o mundo
externo é visto com desejo de transformação acreditando no potencial humano;
-acredita na
salvação social;
-a Igreja
deve se direcionar a sociedade para transformá-la;
-relaciona a
fé com ação social;
-ensina o
compromisso com o próximo;
-idealismo
moral e visão liberal da santidade;
|
Através do liberalismo teológico uma nova interpretação da Bíblia começou
a ser feita através de uma leitura voltada para a visão do Reino de Deus em
busca de justiça e igualdade sociais. Começou a perceber nos ensinos de Jesus
uma preferência pelos pobres e marginalizados e o seu desejo por justiça era
chamado por Ele de Reino de Deus. A salvação perdeu seu sentido futurista e
passou a ser considerada como algo atual além de coletiva.
A partir de então os temas sociais passaram a ser discutidos nas igrejas
cristãs e nos seminários teológicos que se abriram para disciplinas
humanísticas e sociológicas. Com o aumento da crítica ao sistema capitalista
começou a surgir o desejo uma sociedade marcada por valores cristãos e a Igreja
percebeu que a mudança deveria ser iniciada por ela através de ações que fossem
sinais do Reino de Deus.
O advento do marxismo foi um grande influente para o pensamento social no
meio cristão. As crises nas cidades levaram a uma decepção com o capitalismo e
a igreja que estava ensimesmada se abriu para a sociedade. No mesmo ano de 1848
que foi publicado o Manifesto Comunista um movimento paralelo chamado “cristãos
socialistas” na Grã-Bretanha começou a influenciar as igrejas da Europa por um
comprometimento maior com a sociedade.
O credo social composto pelo Conselho Federal das Igrejas de Cristo na América serviu como norteador
do pensamento social cristão representando a unidade das igrejas voltadas para
os problemas da sociedade. Além de muita literatura ao redor do tema, até mesmo
diversos hinos foram compostos expressando o desejo por justiça. Camargo
lamenta que destas literaturas e hinos do Evangelho Social pouco fosse
introduzido no Brasil causando uma deficiência social no pensamento protestante
brasileiro.
O desejo de grandes teólogos e líderes que marcaram o Evangelho Social
como Rauschenbusch não era aniquilar o então sistema
social e sim uma mudança de direção para os desfavorecidos pela sociedade
buscando levantar instituições para a implantação do Reino de Deus na terra. O
sentimento destes líderes era de inconformismo e sua ação voltada para a
mobilização de pessoas em favor do próximo e contra toda injustiça. Deste modo
as estruturas sociais e suas instituições ao invés de legitimar as injustiças
devem lutar para o que Rauschenbusch chamou de “cristianizar a ordem social”
que levaria até mesmo “homens maus a fazer coisas boas” ao invés de uma ordem
social não cristã que força homens bons a fazer o que é incorreto.
Síntese dos ‘profetas’ que marcaram o surgimento do Evangelho
Social:
|
Nomes
|
Data referência
|
Dados
|
|
Alberto Ritschl
|
1822-1889
|
-teólogo luterano influenciado pelo hegelianismo
-ênfase no Reino de Deus com dimensão coletiva
-pregava amor a Deus motivando a amar ao próximo.
-influenciou estudantes que difundiram suas ideias;
|
|
Papas Leão
XIII e Pio XI
|
1878-1903
1922-1939
|
-atividades religiosas pela reforma social
|
|
Samuel Gompers
|
1898
|
-organizações trabalhistas;
|
|
Harce Bushnell
|
1802-1876
|
-teólogo congregacional colaborou para a expansão do liberalismo;
- textura social: condições sociais para o
desenvolvimento do caráter;
-referia ao pecado na dimensão social;
-influenciado por Tayor Coleridge (Inglaterra 1772-1834) que fazia
ligação entre fé e razão.
|
|
Josias Strong
|
1902
|
-secretário geral do ramo norte-americano da Aliança Evangélica
que depois mudou para Federação Nacional de Igrejas e Obreiros Cristãos e
posteriormente Conselho Federal das Igrejas de Cristo na América;
-escreveu o livro “O Próximo Grande Despertamento”
-participou da redação do “Credo Social” do então Conselho Federal das Igrejas de Cristo na
América”
|
|
Washington Gladden
|
1902
|
-pastor congregacional;
-considerado ‘pai’ do Evangelho Social nos EUA;
-defendeu o “cristianismo aplicado” e condenou o “deixar fazer”;
-escreveu o livro “Salvação Social”
|
|
Charles M. Sheldon
|
1896
|
-escreveu o livro “Em seus passos que faria Jesus?” que foi uma variante pietista do
Evangelho Social e influenciou muitos fundamentalistas até então fechados
para o compromisso social.
-escreveu o livro “A Crucificação de Felipe Strog”.
|
|
Walter Rauschen-busch
|
1861-1918
|
-de família alemã refugiados nos EUA;
-conhecido como “grande profeta do Evangelho Social”;
-teólogo batista pastoreou comunidades de origem alemã no subúrbio de
New York e relacionou os problemas sociais do povo com a Bíblia;
-acreditava na essência do Reino de Deus pregado por Jesus;
-almejava uma mudança na ordem social de forma a ‘cristianizar’ para
favorecer a sociedade;
-difundiu suas idéias no periódico “For The Right”
-participou da escrita do artigo “Interesses da Classe Trabalhadora”
-participou da
fundação do “Brotherhood of the Kingdom”.
-seus pensamentos influenciaram “The Social Principles of Jesus”
-publicou “Cristianismo e a Crise Social” em 1907 e “Teologia do
Evangelho Social” em 1918 que são suas principais referências;
-outros textos seus: “Prayers of the Social Awakening” e “Cristianismo
e Ordem Social”;
|
Camargo trata o problema da ausência social nas igrejas como uma
“escravidão ética” e se refere ao movimento do Evangelho Social como
“profetismo” e seus líderes profetas.
Os eventos que marcaram o Evangelho Social foram:
-o Manifesto Comunista em 1848 que foi base do Movimento
“cristãos socialistas”;
-a discussão teológica do liberalismo substituindo conceitos
fundamentalistas conservadores conformados com o sistema social;
-o surgimento de organizações trabalhistas lutando por direitos humanos
não contemplados pelas cidades e a industrialização;
-o Credo Social que difundiu o pensamento cristão
socialista;
-a Conferência Ecumênica de Estolcomo em 1925;
-a Conferência Ecumênica de Oxford em 1929;
-o Concílio Universal para a Vida e Trabalho formado
em 1929.
Isso tudo representou uma mudança de ideologia que não foi fácil. Era
preciso quebrar conceitos cristalizados e formar um novo ideal. A partir de 1930 a teologia liberal
alcançou autonomia em seus padrões teológicos independentes aumentando seu
criticismo quanto a ordem estabelecida.
Textos e obras que marcaram o Evangelho Social foram:
-o Manifesto Comunista em 1848;
-o livro “O Próximo
Grande Despertamento” de Josias Strong;
-o “Credo Social” do
então Conselho Federal das Igrejas de Cristo na América”
-o livro “Salvação
Social” de Washington Gladden em 1902
-os livros “Em seus
passos que faria Jesus?” e “A Crucificação de Felipe Strog” de Charles M.
Sheldon em 1896
-o periódico “For The
Right” de Walter Rauschenbusch;
- o artigo “Interesses da
Classe Trabalhadora” com participação de Walter Rauschenbusch;
-“The Social Principles
of Jesus” influenciado pelos pensamentos de Walter Rauschenbusch;
-“Cristianismo e a Crise
Social” em 1907, “Teologia do Evangelho Social” em 1918, “Prayers of the Social
Awakening” e “Cristianismo e Ordem Social” de Walter Rauschenbusch;
-Hinos do Evangelho
Social muito difundidos nos EUA;
-Outras publicações e
estudos científicos contribuindo para informações completas que considerassem
os problemas sociais e despertando a Igreja para incluir estas questões em seus
programas de educação religiosa e teológica;
-além destes, muitos pronunciamentos
eclesiásticos de várias igrejas e líderes cristãos com propostas a respeito de
questões sociais;
-diversos estudos sobre o
papel da Igreja em relação ao processo legislativo e dos problemas de ordem
política e econômica estão acontecendo atualmente.
Com o Evangelho Social a Igreja foi transformada em uma agência social
unindo forças com outras organizações em prol da comunidade saindo de si mesmas
em direção ao mundo e priorizando aqueles que sofrem de modo a corrigir os
erros deixados pelo sistema social. A união entre igrejas através do ecumenismo
bem como com outras instituições sociais e a formação de novo órgãos com estes
objetivos foram ações relevantes.
Instituições importantes que participaram do Evangelho Social:
-Igreja Anglicana e outras igrejas livres influenciadas pelo movimento
britânico “cristãos socialistas” a parti de 1848;
-Igreja Católica através dos Papas Leão XIII e Pio XI promovendo atividades religiosas pela reforma
social;
-Organizações
trabalhistas nos Estados Unidos por volta de 1898;
-Aliança Evangélica que
depois mudou para Federação Nacional de Igrejas e Obreiros Cristãos e posteriormente
Conselho Federal das Igrejas de Cristo na América;
-Associação
Cristã de Moços que publicou “The Social Principles of Jesus” em 1916;
-Outros seguimentos evangélicos como The College Voluntary Study
Courses, The Sunday School Council o Evangelical Denominations, The Committee
on Curriculum Board of Sunday Schools Methodist Episcopal Church.
-Igrejas presbiterianas, metodistas, episcopais, congregacionais e
batistas;
-outras organizações eclesiásticas como “Igreja dos Trabalhadores”.
Além destes, os ministérios dentro das igrejas locais começaram a se
organizar para ações voltadas para a comunidade ao redor. Os seminários
teológicos reorganizaram seus currículos e atividades incluindo estudos e
práticas sociais. Diversos líderes também se especializaram em estudos ou se
dedicaram integralmente à ação social.
A grande contribuição do Evangelho Social foi uma mudança no pensamento
cristão antes espiritualizado para uma prática maior do amor evitando intimismo
e buscando o bem comum. O povo cristão deixou de olhar para o céu
individualmente e começou a olhar para a terra coletivamente.
Hegelianismo é uma corrente filosófica desenvolvida
por Georg Wilhelm Friedrich Hegel que pode ser sintetizada por sua frase "o racional por si só é
real", que significa que a realidade é capaz de ser expressa em categorias
reais. (extraído de http://pt.wikipedia.org/wiki/Hegelianismo às 12h31min de
20/06/09).
Comentários
Postar um comentário